Esta história não começa
com “Era uma vez”, mas com “foram três vezes”. É, uma de minhas vítimas, Alice,
como qualquer boa moça, freqüenta assiduamente a biblioteca e, como “mais boa
moça” ainda, tem suas manias.
Há manias de todos os tipos por aí,
cartacoethes e seus mapas, gamomania e seus impulsos, tricotilomania e seus
cabelos, aboulomania e sua indecisão, doromania com seus presentes, etecéteras
“ad infinitum”. Eu, criatura acostumada a assistir à vida dos camarotes, também
considero o ato de colecionar uma mania, os colecionadores são sempre pessoas
amáveis, sejam eles de livros, moedas, relíquias, selos, papéis de carta, amores
platônicos, óculos, figurinhas, carros, canetas, fotos e demais objetos
estranhos. Tenho que admitir, tais impulsos sempre inspiraram minhas ações,
sempre há dois loucos que se correspondem por tais babaquices. Contudo, nunca,
em minha longa existência, pensei que uma coleção tão bizarra como esta me
renderia uma historia. Tão complexa, ainda por cima.
Então, cheguemos logo ao
assunto. Querido, tu sabes aqueles recibos que são dados nas bibliotecas? Sabe...
Aqueles papeizinhos magros e compridos com uma letra antiquada, o nome do
felizardo que lerá o livro, o titulo deste e a data da entrega? Pois, acredite,
este é o material da coleção da minha mais nova vitima.
Creio que esteja se
perguntando como e o porquê de ela fazer isso. Calma, deixe-me explicar: há
inúmeras pessoas descuidadas que acabam entregando o livro com o recibo dentro
do mesmo, então nossa querida amiga os pega e simplesmente os guarda, junto a “toda
uma vida que cria para cada um daqueles nomes desconhecidos”. Ah, ela faz isso
apenas por, como diria Carlos Drummond de Andrade, ser “gauche” na vida.
Até então ela não havia
encontrado nenhum nome repetido.
Então foram três.
Três vezes e um nome.
Apresentemo-o com estilo à la James Bond:
“Your name is Felipe.
Felipe Caetano Gouveia”.
Felipe Caetano Gouveia. Um
nome desconhecido,mas, convenhamos, com certo estilo.
O primeiro livro foi numa
tarde de maio, “Do Amor e Outros Demônios”, livro do aclamado e amado Gabriel
García Márquez. O segundo e o terceiro foram há alguns dias - alguns dirão que
isso é uma clichê coincidência, mas minhas ações são sempre planejadas, muito
bem planejadas e um “clichêzinho” nunca faz mal a ninguém, creio eu.
Dissertemos então sobre
este clichê. Estava minha vítima na hora do almoço, após comer numa das
pastelarias chinesas do centro de Curitiba, na Biblioteca Pública do Paraná.
Ela procurava por algo clássico, havia decidido se livrar dos best-sellers que
havia lido no ultimo mês (por indicação de uma colega de trabalho). “A Dama das
Camélias”, com a glamourosa cortesã de Alexandre Dumas Filho, e “O Amor nos Tempos de Cólera”, do já citado
Gabriel García Márquez, foram os escolhidos da vez. Livros de grande qualidade,
devo dizer, mas, no momento, isso será deixado de lado. Por enquanto este é um
detalhe supérfluo.
Esta Alice não saiu da
imaginação de Lewis Carroll, mas ela também vive num mundo paralelo e acredita
muito na minha bela existência – felizmente. Assim, neste seu mundo particular,
aquele nome a “la James Bond” passou a ser um amigo quase íntimo e de ótimo
gosto literário. Queria que, algum dia, eu fizesse ela o encontrar no acaso da
vida.
Felipe havia emprestado
ambos os livros há cerca de meio ano e os recibos estavam lá, intactos. Alem
destes, havia uma carta, destinada a uma tal de Alice (não sou irônico,viu?), assinada por ele. A “Alice-minha-vítima-primordial”
não é, a meu ver, este tipo de menininha apaixonada que anda por aí, mas aquela
carta a balançou (seria este o termo certo? Tu entendestes, estou certo?
Afinal, quem não se abalaria com uma carta de amor...).
Alguma Alice perdida no
mundo deixou de receber aquela carta. E a nossa Alice achou que, quem quer que
fosse, merecia possuir em mãos aquele papel e ler aqueles garranchos. Então foi
neste momento que ela resolveu “stalkear” Felipe e fazer o meu papel (acredita nisso?), com
o objetivo de unir o que ela considerava ser duas metades da laranja.
A partir de então já não
mais narrarei esta história. Deixarei o rumo desta meada para estas duas
criaturas que, até agora, são completos estranhos. Acredite, eles sabem dominar
as palavras muito melhor que o velho que vos fala. Afinal, cá estou eu apenas para
apresentar a mais nova desventura a que assistirei.
Dos bastidores, para
qualquer efeito.
Creio que, a partir daqui,
meus trabalhos não serão mais necessários.
Junte-se a mim e divirta-se!
Ah, espero poder, algum dia desses, ser o vilão da sua história, caro leitor.
Da criatura
mais enigmática deste mundo,
Destino.